Por Natan Dalprá

As pessoas são incoerentes e paradoxais por natureza. Afinal, o mesmo ser humano é capaz de acordar com ótimo humor num dia e no outro estar chateado, com astral em baixa. Cheio de confiança para determinada situação e extremamente temerário para outra. Em suma, faz parte da nossa essência e, por óbvio, isso se transfere às atividades, entidades e quaisquer organizações das quais façamos parte.

Introdução feita e sem medo de soar repetitivo ou meramente “bodoso”, afirmo, sem pestanejar, que o Aimoré acaba sendo um dos tantos reflexos dessa total falta de coerência que já habita em nosso inconsciente coletivo. Neste caso, localmente falando, o sentimento intrínseco do leopoldense.

Claro que a abordagem aqui tomada como eixo de observação e análise, quase que de botequim, é a capilé, que vai da Scharlau à Duque, do Centro ao Quilombo, Da Vicentina à Feitoria e assim sucessivamente. É importante pontuar essa questão, pois esse texto não possui a pretensão de balizar raciocínios fora do nosso microcosmo.

Sabemos que sem vitórias recorrentes, ídolos específicos e marcas expressivas, o brasileiro médio não é um consumidor voraz do esporte. Nem mesmo do puxador de tudo, que é o futebol. A torcida da multidão é aquela atinente ao triunfo, e quanto menos complicada for a busca por informações sobre aquele time ou atleta vencedor, melhor ainda.

Diante desse cenário, pensemos na imensa luta (absolutamente inglória e teimosa por excelência) que o Índio, maior clube do nosso mundo, trava diariamente por espaço, por apoio, por recursos e, acima de tudo, por pessoas. Claro que há a década em que o clube fechou seu departamento de futebol profissional, também a não penetração nos maiores bairros do município, pelos motivos mais variados possíveis - não existe aqui a intenção de responsabilizar A ou B. Mas o fato é que o Aimoré, que representa tão bem São Leopoldo na esfera estadual de primeira linha, e nacional, através da Série D e, outrora, da Copa do Brasil, simplesmente não consegue obter a atenção da cidade como merece.

Quem nasce no Hospital Centenário ou toma São Léo como lar, independente da época da vida em que o faça, adquire uma dose interessante de bairrismo. Quantas vezes você já ouviu aquela clássica frase: “Quem bebe d’água do Rio dos Sinos, nunca sai daqui” ou “Tchê, São Leopoldo tem tudo, não preciso ficar indo para Porto Alegre toda hora”? É notório que há orgulho nesse tipo de manifestação e que as pessoas criam afeição por determinado estabelecimento comercial, pela cerveja gelada em tal bar, pelo almoço em determinado restaurante, pelas compras na Independência e assim por diante.

Mas, retornando ao viés inicial deste escrito, a incongruência abunda quando diz respeito à questão esportiva. E aqui, vejamos, não é uma exclusividade do time do bairro Cristo Rei padecer desse mal. O Gusch, quando de sua hercúlea caminhada no futsal gaúcho, sofreu da mesma forma, a OnLine no vôlei, sem contar outras iniciativas que nem vou citar, para não alongar a narrativa.

Os viventes gostam de futebol, acompanham campeonatos internacionais em todas as plataformas possíveis, são alimentados pelas informações da dupla Grenal de maneira massiva e fazem disso temática para longas conversas nas esquinas capilés. Contudo, aonde fica o Aimoré nessa história?

A resposta é clara: relegado ao rodapé dessas nossas incoerências. E é curioso que, após conversar com outros aimoresistas e ouvir de vários deles um relato similar, o cidadão médio desta comunidade tem uma sensação de dever cumprido quando pergunta para algum membro da imprensa local ou para algum torcedor mais asssíduo: “E aí, como está o Aimoré? Deu gente no estádio ontem?”.

É discrepante o agir das pessoas que se dispõem a viver a comunidade. E indo ao encontro do que citei, do fato do brasileiro não apreciar esporte, é difícil, infelizmente, inserir, ao que tudo indica, o Índio na vida social das pessoas. Ouve-se de tudo, de tudo mesmo. Que o estádio é feio, que é muito frio, que é muito quente, que o jogo Y caiu no dia do trabalho, que a partida X coincidiu com um jogo amador de sábado importantíssimo, dentre outras considerações.

O fato do clube ser top 8 do Rio Grande do Sul e top 100 do Brasil não diz muito para boa parte dos futebolistas do município, sendo que (e cada um gasta seus pilas como melhor lhe aprouver) sempre se dá um jeito para ter itens novos das equipes de Porto Alegre, do Flamengo, de times ingleses, dentre outros. Aliás, defendo a ideia que se nossa camiseta custasse CINCO reais, alguém diria que mesmo assim é cara.

O pertencimento do povo da Ilha do Governador fez com que flamenguistas, botafoguenses, vascaíanos e tricolores fossem acompanhar a Portuguesa (pelo menos duas mil e quinhentas almas estiveram presentes naquela ensolarada tarde carioca, onde os dezessete indígenas tiveram um sábado inesquecível). Em mesma monta, o sentimento de que o “São Luiz é nosso” levou três mil adeptos do Rubro de Ijuí para a cancha no começo da semana. Cito estes dois exemplos, pois em confrontos eliminatórios contra essas duas agremiações do mesmo escalão que o Aimoré, chegamos a ficar despeitados com a diferença de presença nas arquibancadas.

Com os sempre escassos recursos e poucas mãos para trabalhar, confesso estar meio resignado. Aquela aglomeração alviazul da época da Terceirona ou das batalhas enlameadas da Divisão de Acesso, tão cedo não se repetirão. Os eventos de ocupação urbana, os quais, aliás, têm sido um sucesso, atraem muito mais bairrismo (em bom sentido) do que o Índio de quase 87 anos.

Gostaria de trazer um recado otimista e reconfortante, mas vejo tal agir como impossível. É esplêndido o fato de termos um 2023 recheado, tal qual foram os últimos anos. Se, por exemplo, o Clube Esportivo Aimoré fechar suas portas em 2024, quem exatamente sentirá falta? Não sei ao certo a resposta, somente nos cumpre celebrar o fato do clube existir enquanto instituição profissional.

Por último mas não em último, um dos pedidos que faria a um Gênio da Lâmpada, caso este aparecesse neste perímetro urbano, seria o de pedir para que o Aimoré não fosse somente mais uma vítima de nossas incoerências, mas que o Índio pudesse coabitar em harmonia na vida das pessoas que se queixam, batem o pé, mas amam, vivem e não deixam de morar no Berço da Imigração Alemã.

Foto: Leonardo Oberherr/CE Aimoré

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Marcos De Carli - 29/10/2022 11h47
Prezados heróis e batalhadores do rádio esportivo e genuinamente identificados com o clube que certo dia, contaminou seus corpos e mentes. Heróis por fazerem setorismo único e manter vivo o que pode ser o último laço a unir um time ao seu torcedor, o rádio. Batalhadores por comprar uma briga que só "os loucos" fazem. Manter viva a chama da esperança, do " um dia vai dar", Contra pontos há inúmeros e "forças ocultas" não faltam. Natan, seu pontual relato, aqui na serra é pauta constante e histórica na conversas que envolvem o Ludopédio. Desejo força e teimosia para que essa dupla, Aimore e Capilé tenham vida longa. Abraços