Após marcar um gol diante do Cruzeiro e os dois da vitória sobre o Garibaldi, Isaias voltou a começar no banco de reservas na modorrenta vitória do Aimoré contra o União Harmonia. Questionado por este que vos escreve ao final do jogo, o técnico Rafael Lacerda justificou:

"Eu não consigo ver o Isaias ainda como beirada, e tenho que escolher entre ele e Lucas Silva. Na Série D utilizei ele em dois ou três jogos como 10, mas para isso preciso tirar um dos volantes. A gente jogou algumas partidas com um losango no meio de campo, com o Maurinho na ponta do losango, Wesley por um lado, e eu fiquei sem a opção no outro lado. Acho que para esse nível de competição que a gente tem não tem como jogar sem os beiradas. Provavelmente vou mantê-los."

Lacerda tem avaliação semelhante à de seu antecessor, Gilson Maciel, embasado em premissas enraizadas que podem limitar a potencialidade do ataque aimoresista. Vou além: são dogmas que afligem grande parte dos treinadores do futebol brasileiro, e que foram confrontados em larga escala recentemente.

Isaias, de fato, não tem as características habituais de um jogador de lado de campo, ainda que tenha feito grandes partidas assim em 2020, sob o comando de Hélio Vieira (jamais esquecerei do gol contra o Grêmio e da atuação de gala na goleada histórica sobre o Ypiranga em Erechim). Ele é do drible curto, à la futsal, e não do drible longo. É finalizador, gosta de estar perto do gol. Mas, ao mesmo tempo, não é um 9, pelo menos não um tradicional, até por ser franzino e ter pouca estatura.

O que seria, então, Isaias? A resposta está próxima de uma função histórica do futebol brasileiro, mas que foi abandonada nos últimos tempos: segundo atacante. O complemento do centroavante, com quem se combina e de quem aproveita o espaço deixado.  Com jogadores assim surgiram duplas históricas do futebol brasileiro, Romário e Bebeto a principal delas.

A partir da disseminação do 4-2-3-1 em solo tupiniquim, a função de segundo atacante deixou de existir. Ou o jogador do sistema ofensivo é meia centralizado, ou é ponta, ou é centroavante. Praticamente todos técnicos brasileiros colocaram isso na cabeça, e precisaram vir treinadores de fora do país para que os times daqui voltassem a utilizar duplas de ataque - Gabigol e Bruno Henrique no Flamengo de Jorge Jesus são os principais expoentes. O Inter de Eduardo Coudet é outro exemplo.

Onde está escrito que uma equipe de futebol precisa jogar sempre com dois caras de velocidade pelo lado do campo e um centroavante? Evidentemente que sem a bola alguém precisa recompor pelo lado e acompanhar o lateral adversário, mas esse posicionamento aberto dos atacantes não precisa ser estanque quando o time tiver a posse de bola.

Voltando ao Aimoré, se a ideia é jogar com os volantes Paulinho Dias, João Denoni e Araújo juntos, o que se justifica plenamente pela qualidade dos três, por que não utilizar Isaias como um "falso ponta"? O Aimoré tem um lateral esquerdo extremamente ofensivo, Raphael Soares, a quem Zazá pode deixar o corredor para ter liberdade de se movimentar por dentro, próximo a Lucas Silva.


Sem a bola, o Índio Capilé tem marcado com duas linhas de quatro. Ou seja, um dos pontas já fica posicionado à frente, junto ao Imperador do Vale, enquanto o outro recompõe pelo seu lado. Assim sendo, Isaias nem precisaria fazer o trabalho sujo dos jogadores de beirada, e a organização defensiva do Aimoré não seria impactada.


Ao se mostrar convicto na ideia de que Isaias não deve jogar pelo lado, e de que não dá para jogar sem extremas, Lacerda abre mão do vice-artilheiro do Aimoré na temporada, capaz de dividir protagonismo com Lucas Silva, enquanto seguem na equipe jogadores tecnicamente inferiores. Para o Gauchão, onde esperamos que o Índio Capilé tenha atacantes de lado do calibre de um Luis Soares ou de um Gustavo Xuxa, a reserva de Zazá será compreensível. Agora, não é.

Foto: Fernando Campos/CE Aimoré

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Emir Benedetti - 06/11/2021 17h51
Perfeita a análise. Nisso time está amarrado em concepções táticas. Esssas são referências, não impositivas. Na realidade do AIMORÉ é proibitivo não aproveitar o nosso potencial técnico disponível no plantel. Assim, Izaías e LS9 devem jogar juntos; é a melhor opção existente.